19/01/2013


Agroindústria projeta sonhos de sócias do campo

Entidade de mulheres de assentamento promove trabalho e renda para garantir a permanência da família na zona rural
Matéria:José Antônio Cardoso, de Niquelândia (GO)


Os caminhos que levam ao Projeto de Assentamento Rio Vermelho, no município de Niquelândia (GO) – a 280 km de Goiânia -, levantam poeira que esconde o horizonte no tempo seco. A temperatura quase sempre escaldante combina com a vegetação de Cerrado ‘bruto’. A cidade mais próxima, Niquelândia, fica a 45 km. Na principal estrada de acesso, a GO-080, pontes anunciam água abundante, afluentes do Rio Maranhão, que corta o território.

Porteiras e mata-burros sinalizam que muitas famílias estão na labuta, produzindo sonhos, sem precisar sair do campo para viver. Somente no Assentamento Rio Vermelho, 59 famílias permanecem em pequenas áreas rurais, fazendo o sustento da produção. Os 53 hectares do Sítio Castelo de Sonhos provam isso. A terra em que vive o casal Adail Gonçalves Reis, de 55 anos, e Florisbela Rodrigues de Brito, 54, abriga diversidade agrícola que gera renda para a família.

O sítio tem gado leiteiro, granja suína, frangos, horta, frutos (bananal possui 140 pés) e muitas ‘obras da natureza’: baru, mangaba, pequi, cajuzinho, buriti... Fonte de progresso para as vidas de Adail e sua Flor (assim é conhecida Florisbela), a parcela rural cedida pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) serve de fomento para a história empreendedora, construída por mulheres ao Norte de Goiás.

Flor integra a Associação das Mulheres do Rio Vermelho (Amurv), criada há três anos, que, atualmente, envolve 32 associadas. Especialista na fabricação de doces caseiros, ela vendia a produção rural na Feira do Produtor de Niquelândia, mas parou, por problema na coluna. Encontrou na Amurv apoio para continuar acreditando que pode mais na roça. “Agora, a entidade vai nos ajudar a comercializar o que produzimos”, explica.

E Flor, que é sócia da Amurv faz um mês, parece ter trazido sorte, pois a Associação acaba de ser escolhida pelo Programa ReDes para receber R$ 584 mil na implantação de uma agroindústria, que vai funcionar em prédio próprio da entidade, próximo às parcelas rurais.

O recurso vem da parceria Instituto Votorantim e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que criou o programa para projetos de geração de trabalho e renda para o fomento de cadeias produtivas e qualificação profissional no Brasil. A verba será liberada durante cinco anos, quando a Amurv vai investir na produção, capacitação e abertura de mercado.

Produção reforçada
O empreendimento deve dar condições para a Amurv triplicar a produção de doces, por exemplo. A presidente da Associação, Diana Maria Rodrigues Gebrin, 40, destaca que as trabalhadoras já fabricam doces de leite e banana, vendidos para a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), consumidos em escolas, creches, abrigos e presídio. “Produzimos aproximadamente 1,5 mil quilos de doces por mês”, conta.

Como a unidade processadora vai trabalhar somente com alimentos de origem vegetal, Diana projeta aproveitar hortaliças, frutos e matéria-prima do Cerrado. A agroindústria será montada em galpão construído com o esforço das associadas e doadores de Niquelândia, quando R$ 22 mil foram investidos. O prédio fica no terreno da antiga sede da Fazenda Rio Vermelho, que deu origem ao assentamento. O espaço de 200 metros quadrados vai disponibilizar equipamentos para processar os alimentos, facilitando o trabalho das mulheres, que ainda é todo manual.

Para Diana, o projeto vai ajudar a Amurv a conquistar mercado 90% maior, um desafio que a presidente considera ter tudo a ver com o trabalho desenvolvido pelo Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae Goiás).

Segundo o gestor de projetos da Regional Noroeste do Sebrae Goiás, Renato Gonzaga Jayme, a aposta é tão grande no sucesso da Amurv que Lívia Pelá Corrêa, Agente de Desenvolvimento Rural (ADR) da entidade, foi quem fez a inscrição da Associação no Programa ReDes e acompanhou o processo classificatório, que envolveu 118 projetos em todo o país. “O Sebrae Goiás vai acompanhar também a execução do projeto, ajudando nas ações que podem garantir os resultados propostos”, explica Renato.

Lívia, que é zootecnista, presta assessoria técnica às associadas por meio de parceria entre o Incra e Sebrae Goiás. “O Sebrae promove capacitação, conhecimento e acesso ao mercado para a Amurv, inclusive financeiro, acerca de financiamentos, como o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) e o Crédito Apoio Mulher”, conta Lívia.
Maria do Carmo retira bananas do sítio para fabricar doces da AmurvFoto:Edmar Wellington  
Aproveitar diversidade
Responsável pela coordenação de ações do convênio Incra/Sebrae na região Norte, o consultor do Sebrae Goiás, Carlos Maia, explica que o aproveitamento de tudo o que a terra dá é um dos pilares para o projeto da agroindústria. “O extrativismo de frutos é uma das fontes de renda para as associadas”, observa. O comércio do baru pode ser rentável, pois 100 gramas da castanha chegam a ser vendidas no varejo por até R$ 15.
O consultor avalia que a agroindústria vai incentivar a produção rural também nos assentamentos vizinhos - Salto para o Futuro, José Marti, Aranha e Julião Ribeiro, inclusive fortalecer o associativismo. “Cerca de 110 famílias agricultoras terão referencial para que seus produtos tenham o processamento adequado, embalagem certificada e ganhem o mercado”, explica Maia.

Produtora do Sítio Boa Esperança, no Assentamento Rio Vermelho, Creonice Pereira da Silva, de 56 anos, ainda não integra a Amurv, mas está pronta para fornecer produtos para a agroindústria, especialmente verduras e folhagens. Ela cuida da Produção Agroecológica Integrada e Sustentável (Pais), em unidade recebida por meio do convênio Incra/Sebrae há dois anos. “O que produzimos na horta serve à Associação, compondo nossas vendas na feira livre em Niquelândia”, estima.

Outra assentada do Incra, Maria do Carmo de Sena Lopes, 34, também tem produção diversificada nos sete hectares do Sítio Dois Irmãos. Destaques para o cultivo de 300 pés de pimenta malagueta e plantações de banana, acerola e mandioca. Associada da Amurv faz um ano, ela disse que “a comunidade (Associação) só me traz benefícios” e carrega na bolsa a carteirinha funcional da própria instituição. “O que garante descontos no comércio de Niquelândia”, lembra.

Segundo a presidente Diana, a Amurv deve promover cidadania e qualidade de vida às famílias, além da inserção ao trabalho e renda. Um projeto ambiental será implantado, prevendo a recuperação de áreas degradadas no Assentamento Rio Vermelho. “Teremos um viveiro de mudas em parceria com a Escola Municipal Santa Cecília, que fica próxima à antiga sede”, conta.

Colecionando prêmios
A escolha da Amurv para receber benefícios de programas que incentivam a geração de trabalho e renda no campo parece ser natural na comunidade. A entidade obteve reconhecimento do Instituto Consulado da Mulher - ação social da marca brasileira Consul -, por meio do Programa Usinas do Trabalho. As trabalhadoras ganharam eletrodomésticos para montar cozinha própria para a fabricação de doces e quitandas na sede da Amurv.

O prêmio estimado em R$ 12 mil levou para a Associação dois freezers, duas geladeiras, dois aparelhos micro-ondas e dois fogões. O apoio do Consulado da Mulher mudou o sistema produtivo na Amurv, antes sem padronização, pois não havia cozinha coletiva. Os eletrodomésticos ainda promoveram melhores condições de armazenamento e produção, o que ajudou a sociedade de Niquelândia, principalmente, enxergar o trabalho das associadas como realmente profissional.
FONTE: http://www.go.agenciasebrae.com.br/noticias/agronegocio/?indice=10
Acessado em 19-01-13.